domingo, 4 de dezembro de 2016

O Exorcista

Os anos 1970 encontravam-se numa situação propícia para as arrojadas obras que surgiram naquela época: Não apenas o cinema –como outras formas de arte, também –oferecia amplo terreno para experimentações temáticas e estéticas que realmente aconteceram, como a geração de realizadores que despontaram nesse período mostrou-se avidamente afeita à desbravar esses novos territórios.
Filmes de terror eram, e até hoje ainda são, um gênero extremamente popular. Mesmo muitas das obras concebidas com pensamento subversivo e artístico, acabavam caindo nas graças do público. Provavelmente porque, ao contrário dos outros gêneros, o terror implica em submeter o expectador à uma experiência que, não raro, beira o extenuante. Ao menos, aquele tipo de terror que busca o objetivo primal do gênero: Provocar medo.
Em entrevistas que deu ao longo da carreira, o diretor William Friedkin –que dois anos antes, em 1971, conquistou o Oscar por “Operação França” –sempre afirmou que a idéia de seu filme seminal de terror não era provocar o medo como objetivo final, mas sim levantar uma questão pertinente e carregada de ramificações humanas a respeito dos obstáculos da fé.
Apesar disso, ele conseguiu, sim, realizar um dos mais horripilantes filmes do cinema. Tanto que até hoje, blockbusters providos do gênero, tentam inutilmente imitá-lo na busca vã por recriar seu singular e longevo efeito amedrontador.
A trama de “O Exorcista” começa no Oriente Médio, brilhantemente mergulhada nas inquietações do diretor Friedkin, ao acompanhar a sina do padre Merrin (um extraordinário Max Von Sydow), incapaz de encontrar paz exatamente porque seus embates com o próprio demônio, na qualidade de especialista em exorcismos, o deixaram ciente do mal incrustado em todas as entranhas prováveis e possíveis do mundo.
Um corte tão brusco quanto fenomenal –característica do diretor –nos arremessa desse cenário poeirento e desolador para um mais familiar, onde esse mesmo mal se esconde com maior facilidade. É uma cidade dos EUA. Regan (a impressionante Linda Blair, numa ousada interpretação com apenas 14 anos), uma garotinha de classe média-alta norte-americana, filha de uma atriz de cinema (Ellen Burstyn, sempre primorosa), apresenta pouco a pouco sintomas assustadores de dupla personalidade.
Grande artista e narrador tarimbado de histórias, Friedkin força uma ligeira depreciação da capacidade de seu filme no expectador em sua primeira meia hora de filme.
As cenas corriqueiras que ele registra –sempre com perícia –vão tomando o tempo do público, fazendo-o esquecer das conseqüências da premissa, e dando a absolutamente enganosa sensação de que este será um filme muito mais sutil.
Ledo engano: Quando menos se espera o filme de Friedkin começa a surpreender, a espantar, a convencer nosso ceticismo, a oprimir nossa certeza de segurança –tudo nessa mesma ordem –e a conduzir o expectador à um terreno que, pelo menos nos anos 1970, uma grande parte do público não estava pronta a ir.
Gradativamente, aqueles sintomas de dupla personalidade de Regan vão se somando a acontecimentos estranhos que ocorrem por toda a casa e vizinhança, alarmando as pessoas próximas. Seus exames médicos, sucessivos e cada vez mais dolorosos, nada revelam acerca do mal que acomete à criança, até que a mãe é aconselhada a fazer um ritual de exorcismo.
Incrédula, ela procura por um jovem padre (Jason Miller) quando esgotam-se suas alternativas, mas mesmo a igreja católica é cética com a possessão demoníaca nos dias de hoje. Por fim, quando o filme já se encaminha para sua devastadora meia hora final, Merrin, um dos únicos exorcistas com experiência no mundo é chamado do Oriente Médio para ajudá-la. A seqüência de exorcismo que se segue então é um dos momentos mais impressionantes deste filme de terror lendário, dos poucos capazes de gerar medo genuíno no espectador.
Visto hoje, após uma ampla, insistente e ainda persistente tentativa do cinema comercial em imitá-lo paulatinamente, muitas de suas cenas podem parecer convencionais por já terem sido exploradas em outras produções.
Mas, a percepção apurada do diretor Friedkin, que teve o ímpeto de ineditismo de revestir com verossimilhança sua premissa sobrenatural e sua ousadia em moldar cenas que se mantêm, muitas delas, aterradoras e chocantes até hoje, é algo que filme algum consegue reproduzir.

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